domingo

Banho de banheira



 Aos 31, tomei banho de banheira pela primeira vez e recebi uma massagem profissional também pela primeira vez. Aconteceu aos 31 porque sou pobre. E olha que entre os pobres do meu país, nem tão pobre assim eu sou. Não é que eu não pudesse pagar, mas é que a pobreza não tira de nós só o dinheiro para realizar nossos sonhos, ela tenta tolher por completo nossa possibilidade de sonhar. Tenta, porque se tem uma coisa que pobre faz bem é não desistir de sonhar. Tomei banho de banheira pela primeira vez aos 31 anos porque os lugares em que fui onde tivesse uma banheira eram sempre lugares em que aquilo não me era permitido. Eu queria muito quando criança, banheira lembra piscina e criança gosta de piscina. Dizia que queria ter uma banheira em casa quando crescesse e me lembro de escutar que ter isso era bobeira, gasta muita água e a gente acaba não usando. Gasto a toa, bobeira. Cresci sempre escolhendo hotéis mais baratos porque pra quê gastar com banheira no quarto? Sempre quis transar na banheira, mas acabava não indo ao motel pra isso porque tem boleto chegando no fim do mês e, putz, motel com banheira é uma grana. Não que eu não gastasse dinheiro atoa com outras coisas, mas a banheira sempre ficou ali em último plano mesmo. Não tinha meios de conhecer a beleza de uma banheira quente aliada às luzes baixas, a música certa e três bolas num baseado. 

Se me importava pouco em tomar banho de banheira, imagina então receber uma massagem profissional. Isso aí sequer passava pela cabeça. Pensando bem, já fiz massagem sim, mas aquelas redutoras pra emagrecer, afinar, desinchar e o caralho a quatro. Essas eu já fiz bastante. Mas isso aí é tão básico, tão essencial, que não resta ao pobre senão arrumar dinheiro pra fazer. Como assim não tem? Pra quê você precisa juntar dinheiro pra aquela viagem? Você nem vai conseguir ir mesmo, isso aí não é coisa pra você, emagrecer é mais importante. Mas massagem relaxante não precisa, afinal, se você relaxar pode ser que saia desse lugar confortável de autossabotagem e autopiedade. É uma bosta, mas é o que vc conhece, lembra que o combinado era não relaxar? 

Meu subconsciente começou a falar ali em cima e eu acabei divagando. São as três bolas no baseado que fazem isso comigo, não tem jeito. Tava falando sobre ser pobre e não ter ideia do bem que faz uma banheira quente e uma massagem. De ser pobre e ter acesso só ao que os ricos escolheram e decidiram que eu posso. Eles escolheram que eu posso e devo consumir um discurso ideológico que tenta me convencer de que tá tudo bem do jeito que tá, que assim é justo. Mas escolheram que não preciso consumir banho de banheira e massagem. Bobeira. Eles sabem que se eu relaxo, percebo que trabalhar menos é melhor e que eu posso possuir menos e consumir menos pra ser feliz. Se relaxo, eu paro, eu não trabalho. Se relaxo, eu liberto a criatividade que fui treinada pra não explorar. É que eu fui treinada pra trabalhar e isso eu faço bem. E criativa eu sou mais ousada, mais confiante e mais perigosa.

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