quinta-feira

Encaracolando-me

         A ideia de compartilhar minhas reflexões sobre o mundo em um blog sempre esteve aqui. Tenho um caderno onde faço algumas anotações, mas o diário é inerentemente privado. Nos últimos anos venho fazendo as pazes com o gosto pela exposição. Neguei-o por muito tempo, tinha medo dos julgamentos, de ser ridícula publicamente, de não ser aprovada. Mas venho resignificando todos esses sentimentos e sensações por meio de um processo psicoterápico cujo objetivo principal é encontrar a mim mesma, conhecer as características da minha própria personalidade após ter passado por uma depersonificação ao longo do processo de "adultização". Sinto que esse blog vem ao encontro desse movimento. 

    Mas pra eu conseguir te explicar esse nome, preciso te dar um pouco de contexto. Escrevo hoje de Diamantina e estou aqui há 4 dias. Diamantina é a primeira parada do que eu planejo ser um longo trajeto. Sou professora de inglês e a pandemia fez com que meu trabalho ficasse totalmente online. Percebi que essa liberdade geográfica é tudo que eu precisava pra viver um grande sonho que nunca achei que fosse possível realizar: viver na estrada. A ideia era fazer isso com meu companheiro, com quem vivo há mais de 8 anos, mas ele descobriu que o momento dele é outro e eu decidi que não posso esperar. Descobri que o movimento é parte constitutiva de mim e abandoná-lo é abandonar a mim mesma. Estou reduzindo todas as minhas posses até um montante que caiba em duas mochilas e vou levar minha casa nas costas. Enquanto dirigia pra cá, me peguei me admirando pela coragem de estar colocando em prática tantas mudanças e percebi que meu objetivo é viver como um caracol: carregando a casa nas costas, sempre em movimento; devagar, sem pressa, no tempo de sua própria condição, mas sempre em movimento; às vezes fazendo pausas estratégicas, recolhendo-se, pra depois voltar a "caminhar". 

    Mas o caracol representa outros símbolos pra mim, ele é um bicho feio pra daná. Você pode até não odiar caracóis, mas certamente concorda que bonito ele não é. Vincular-me a esse bicho feio, de que muita gente sente asco, é emblemático e representa o meu desencontro com a necessidade da beleza (assunto pra outro texto). Ser um caracol deve ser libertador, ele não carrega em sua concha nenhuma expectativa de sucesso, de encanto, de perfeição ou grandiosidade. Ele só é. 

    O verbo "encaracolar" já existe, mas aqui ele carrega o desejo de virar um caracol e vem no gerúndio pra lembrar que é processo: não é "-ei", nem "-lharei", é "-ando".




2 comentários:

  1. Primeiro comentário de um primeiro texto de muitos que espero ler por aqui. Você é maravilhosa, e seguir desse sonho da maneira como tem feito tem sido extremamente inspirador pra mim...para os meus apegos materiais e pelas pessoas. Lembra que dizíamos que queríamos der como adultos fodas quando crescêssemos? Pois é, tá aí. Quando eu crescer quero ser que nem você.

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  2. Que orgulho desse blog, dessa trajetória e de você! Te amo e quero encaracolar com você por aí!

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