No momento em que escrevo, estou em uma vila em Diamantina, uma antiga fábrica de tecido desativada em 1975. Ouvi de um senhor que estava na vila trabalhando como marceneiro, com quem conversei ao chegar ali, que "há 30 anos atrás isso aqui era uma muvuca só de trabalhadores entrando e saindo da fábrica e suas famílias ocupando as casas", hoje em sua maioria vazias. Estranho é que há 30 anos atrás a fábrica já estava desativada há pelo menos 10. Talvez ele esteja, como eu mesma, com problemas para perceber a passagem do tempo. Talvez a noção de quanto tempo se passa em um ano seja um mistério somente acessado por poucos.
Desde que cheguei aqui, fico pensando que queria muito saber desenhar. Infelizmente, só sei desenhar bonecos de palito e um sol saindo feliz de trás das montanhas, como uma criança de 5 anos. Mas se eu soubesse desenhar, desenharia as montanhas que cercam todo o local como se o abraçassem. No meio do abraço das montanhas, desenharia um gramado enorme, bem verde e muito bem cuidado. E o desenharia cercado por casas bem brancas com janelas e portas azuis naquela arquitetura que chamamos bem toscamente de "colonial". Nesse gramado bem grande, desenharia árvores, quase todas bem verdes e algumas, a despeito do inverno, até com flores. Me impressionam as árvores das regiões tropicais, elas parecem se recusar a aceitar os ciclos das estações e se recusam a abdicar da beleza de seu "verdedume". Em meio a tantas árvores verdes, desenharia diante de mim outra quase completamente sem folhas, toda cinza. E imagino que se eu pudesse estar aqui no verão provavelmente a veria tão esplendorosa quanto as outras. Aparentemente, essa sim se rendeu aos ciclos da natureza. Na ponta desse gramado, desenharia uma igreja cujas formas não sei reconhecer, apesar da tão familiar arquitetura do local. Certamente saberia mais se tivesse prestado atenção às aulas de História da Arte na faculdade. No meio do gramado, desenharia um pergolado com seis pilares e quatro bancos dentro. Emaranhado nele, flores de um cor-de-rosa bem intenso que se entrelaçam quase formando um telhado. Parece que elas nasceram dali mesmo, das vigas de concreto, como se em mais uma rebelião contra a natureza.
Sento-me em um desses bancos, o dia está está ensolarado e convidativo, apesar do vento frio. Vejo duas meninas aproveitando o cenário para se fotografarem. Chamo uma delas e peço que me tire uma foto ali e comento que o ponto negativo de viajar sozinha é não ter ninguém pra bater nossas fotos. O nome dela é Luísa, ela tem 17 anos e não gosta de viver em Diamantina porque, segundo ela, é pouco interessante. Enquanto se posiciona pra bater minha foto, ela comenta com sua amiga, Lorraine, que um dia quer gostar tanto de si mesma a ponto de conseguir viajar sozinha. Antes de ir embora, ela me faz várias perguntas e o interesse dela pelas minhas respostas faz minha vida parecer bem mais interessante do que de fato é. Depois de alguns minutos de conversa, Lorraine já está posicionada embaixo de uma árvore com flores bem vermelhas esperando por uma foto. Luísa se despede e eu desvio o olhar disfarçando meu interesse pela cena. As duas são magras, brancas com cabelos bem pretos e artificialmente lisos, vestem roupas justas, são meninas muito bonitas. Elas não olham para os lados, estão inteiramente focadas nelas próprias e em como estão aparecendo nas fotos. Lorraine está posando para a foto de lado e se precupa: "minha barriga não está grande?". Luísa responde que sim. A resposta com tom de bincadeira carrega uma pitada de sinceridade da parte de Luísa. Luísa pode até já se amar muito, mas ainda não sabe disso. Penso em dizer algo , mas sei que não há nada que possa dizer que fará tanto sentido quanto a passagem do tempo. Me calo e so torço para que Luísa, Lorraine e todas as meninas do mundo possam se render à passagem do tempo e aos ciclos da vida como aquela árvore diante de mim. Torço para que todas as meninas permitam que o fluxo da vida as traga a leveza de aceitar.






Nenhum comentário:
Postar um comentário