sexta-feira

João e a espera pelos feijões mágicos

     Quando penso em João, eu fico querendo saber fazer poesia. Ele merece poesia porque tem ali um espírito todo feito por poesia. Talvez por isso ela o encante tanto quanto me apavora. Ele tem um jeito bem próprio de olhar a vida de maneira crítica e nesse ponto ele é imprevisível. Como um personagem do seu livro favorito, ele tem "um truque que consiste em afirmar as coisas mais óbvias com grande profundidade". João não gosta de não saber das coisas e por isso pode passar horas lendo páginas de enciclopédias. E se alguém falar sobre as borboletas azuis da Sibéria, João vai provavelmente saber que que as fêmeas dessa espécie são na verdade marrons. Uma vez ele me disse que se tem algum conhecimento que, por mais difícil que seja, pode ser acessado por algum ser humano, isso significa que outros seres humanos também podem acessá-lo se se esforçarem muito naquela direção. Ele quer aprender russo, conhecer Singapura, ler Dostoiévski e dominar a filosofia grega. Ele quer conquistar o mundo, não como os colonizadores fizeram, mas como aquela pessoa que ele uma vez conheceu no Maranhão que estava viajando o mundo de bicicleta. Se tem uma coisa que João sabe é sonhar. Só que João ainda não sabe realizar. "Focar em um sonho e tentar realizá-lo é desistir dos outros", ele me disse um dia. Talvez por isso, hoje ele se sinta perdido e diga que não gosta de quem se tornou. Se João pudesse se olhar com meus olhos por um instante, talvez ele veria a beleza de ser quem é. Talvez  porque eu o olho sob as lentes do amor que ele perdeu em algum momento da vida. Elas me permitem ver através das camadas de escudos que ele criou pra se proteger da dor que é viver no mundo e em sua própria pele. Talvez, entre tanta coisa que João sabe, haja uma que ele ainda desconhece: a dor é necessária porque é ela quem nos faz humanos. Fugir dela é fugir de sua própria humanidade e acolhê-la é conhecer-se. Viver dói, só que não viver dói mais. João sofre por se sentir perdido e outra coisa que ele talvez desconheça é que reconhecer-se perdido é o primeiro passo pra se encontrar. Estar perdido dói, mas aceitar como uma condição própria e eterna algo que é uma fase presente inerente à vida de todos os seres humanos é auto tortura. João é extremamente sensível e empático, resultado, talvez, de ter sido criado por tantas mulheres admiráveis. Só que há outra característica da criação das mulheres que João também absorveu, ele sonha em ser salvo, como uma princesa dormindo em uma torre de marfim esperando o beijo do seu príncipe encantado para acordá-la ou como um católico fervoroso aguardando pelo retorno de Jesus. E aí, há uma obviedade que eu gostaria de conseguir dizer com a profundidade das obviedades que ele diz: não existe salvação fora de nós mesmos! Ninguém está vindo pra nos salvar e nos presentear com a vida de nossos sonhos. Ela precisa ser galgada por nós mesmos. E essa consciência dói, mas dói mais viver uma vida de expectativas pelo depois enquanto se perde os agoras. A mim, só resta desejar muito que a vida convença João de que ele é suficiente para plantar seus próprios pés de feijão. 

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