Estou sozinha há quase duas semanas, já estive só por mais tempo que isso, mas sempre em outras circunstâncias. Dessa vez, estou de férias inteiramente só em uma cidade desconhecida, em meio a uma pandemia sem fingir que ela não existe mais. Sou só eu e eu. Há uma palavra e inglês que eu gosto de usá-la para me definir: eu sou uma “people person”. Gosto de conhecer pessoas, de falar alto , gosto daquele barulho de uma mesa de bar cheia de gente conversando ao mesmo tempo. Cresci em uma cidade do interior de MG, mas, ao contrário do que muitos podem pensar''ao imaginar as tais cidades, minha infância e adolescência não foram pacatas, eu estava sempre cercada de pessoas. Também gostava da tranquilidade do mato, das trilhas e cachoeiras, mas estava normalmente acompanhada. E quando não estava, sentia falta. Não estava inteiramente ali, metade de mim ficava fincada na solidão. Também já gostava de sair só vez ou outra e sentia prazer genuíno nesses momentos, mas sempre pensei que gostava deles como exceção. A solitude, se não fosse exceção, virava solidão e me incomodava profundamente.
Estou em
um relacionamento monogâmico há mais de oito anos com alguém com quem construí
uma vida de muito amor. Nunca acreditei em amores semelhante aos dos contos de
fada e dos filmes de Hollywood. Nunca achei que o amor devesse se construir sobre
renúncias e que devesse se propor como suficiente. Acredito que essa concepção
de amor romântico nos destrói, já que nos faz construir expectativas que nascem
para serem frustradas. Já há muito tempo, sequer acredito no amor monogâmico como
sinônimo de felicidade.
Apesar disso, foi exatamente o tipo de amor que eu construí pra mim. Forte, intenso, que se propôs suficiente e cheio de expectativas frustradas dos dois lados. Não foi culpa dele, nem minha. Só foi assim, primeiro, nos deixamos levar pelo fluxo das coisas. Deixar-se levar pelo fluxo pode ser bom e leve, mas às vezes ele nos leva a lugares comuns que não são nossos lugares, que não no cabem. Em segundo lugar, construí esse tipo de amor por medo da solidão. Falo por mim, mas ouso estender isso a ele também. Acredito que por muito tempo formos bem-sucedidos em ajudar o outro a escapar da solidão. Até que, então, não éramos mais. Ele passou a lamentar que constantemente se sentia solitário. Aquilo me doía profundamente porque eu acreditava que fazia tudo por ele, que doava até muito mais do que dava conta, como o amor romântico nos diz que deve ser. Foi aí que, em terapia, descobri que eu também me sentia só. Percebi que eu dava a ele o tipo de carinho e atenção que queria receber e o mesmo acontecia do outro lado. Percebi que dava a ele o que deveria estar dando a mim mesma: a atenção, o carinho, o espaço na minha vida. E me doía muito quando ele dizia que o que eu fazia não era suficiente. Estávamos os dois muito alienados no amor romântico e na expectativa de receber do outro o tipo de atenção e amor que só nós mesmos podemos nos dar. É como se houvesse um buraco que se não investimos, nós mesmos, energia e atenção para tampá-lo, nenhuma terra que o outro jogue será suficiente. Projetar no outro esse amor é como tentar curar uma úlcera com remédio pra dor: ele parece funcionar a princípio, mas com o passar do tempo já não faz mais efeito e o médico te diz que aqueles remédios, que só reduziam a dor sem tratar o problema, só fizeram irritar mais seu estômago e a úlcera piorou.
Em terapia, venho percebendo que o remédio para minha úlcera é enfrentar o medo da solidão. Era encontrar tranquilidade na minha própria presença. E por isso eu saí. Eu gostaria de dizer que esse processo já está encerrado, que é fácil estar comigo. Tenho, sim, encontrado profunda satisfação na solitude em muitos momentos. Às vezes eles duram só alguns segundos e às vezes fico nesse estado por dias. Nesses momentos, não choro minhas faltas nem meus excessos. Mas outros são melancólicos e cheios de medo. Em outros ainda, volto a ser uma menina frágil deitada em posição fetal esperando ser salva.
Ainda sou aquela mulher “people person” que sempre fui. Não pretendo fazer da solitude um estilo de vida, sei que não levo jeito pro isolamento total. Mas espero que esse tempo sozinha continue me fazendo o que tem feito, que ele me dê tempo e tranquilidade para refletir, pra me conhecer e pra encontrar prazer na minha própria presença. Pra que eu possa fazer escolhas e tomar decisões sem que o fantasma do medo da solidão me assombre. E espero voltar mais madura pro meu ciclo social e, quando essa pandemia sem fim acabar, espero poder construir outros ciclos sociais por onde eu for. E ainda me permito seguir alimentando o sonho romântico de construir e reconstruir amores. Mas espero sempre saber ir embora quando os lugares não me couberem mais, ainda que saia só.







