sexta-feira

Um processo

 Texto escrito em 2019 e adaptado para esse blog


    Esse texto é um desabafo e um lembrete pra mim mesma do que venho buscando nos últimos tempos, ele serve pra que eu não me perca pelo caminho. Espero que  minha história inspire outras mulheres a se conhecerem e se respeitarem como são. Meu nome é Michele, tenho 28 anos e sofro por conta da relação com meu corpo há tampo tempo que nem sei mais pontuar onde tudo começou. Nessa foto estou eu com cerca de 17 anos. Eu me via gorda!


    Algum tempo após essa foto, ganhei alguns quilos e passei a realmente odiar o que eu via no espelho. Não se tratam de dezenas de quilos, uns 2 ou 3, no máximo. Aos 19, enfrentei um término com um então namorado por quem eu era muito apaixonada e ter sido rejeitada agravou uma relação com meu corpo e com minha imagem que já não era nada saudável. Nesta foto seguinte, estava há alguns meses tomando Sibutramina, um remédio horrível que causa inumeros efeitos colaterais, mas que te ajuda a perder peso. Depois de poucos meses, estavam todos os quilos de volta, claro. Foram quatro anos de uma dependência doentia com esse remédio: começava a usar, me sentia mal e culpada, parava, engordava, comprava o remédio de novo.



    Hoje, estava olhando minhas fotos para escolher as que ia usar para ilustrar esse texto e percebi que não importava onde eu estivesse ou o quão grandioso fosse o que estivesse realizando, estava sempre preocupada se estava gorda ou não. Talvez você se identifique com esse peso mental, infelizmente não sou a única a senti-lo. Nessa terceira foto, estou em Machu Picchu realizando um grande sonho. Viajei por 1 mês por três países, conheci pessoas e lugares que me marcaram profundamente. Em nenhum momento sequer deixei de ter consciência do meu corpo e da minha imagem, estava sempre me olhando no reflexos para avaliar como me parecia.




    Nessa próxima foto, estava colando grau na graduação e tinha acabado de ser aprovada para fazer mestrado em uma das instituições mais renomadas do país. 



    Eu me via gorda e toda aquela felicidade de estar realizando coisas grandiosas estava sempre embebida de uma frustração com meu corpo. Sequer tenho foto do dia da defesa do meu mestrado, eu não me importei o suficiente para guardá-las porque não gostava do que eu via nelas. Eu não via o resultado de 3 anos de trabalho árduo. Eu só via a mim mesma e me via gorda.

    Ainda muito nova, comecei a perceber que a gordofobia é um grande problema social que mina especialmente a autoestima das mulheres e sempre me opus energicamente às ações, minhas e dos outros, que produzissem julgamentos a partir das características do corpo das pessoas. Mas nunca conseguia aplicar isso para mim mesma. Eu me martirizava, me sentia vazia e desimportante por ser gorda. Se você veio até aqui, tenho certeza que já encontrou o erro: eu sequer estava acima do peso. No entanto, sofria com ansiedade, compulsão alimentar, muitas vezes me opunha a ir a eventos sociais, tentava vomitar o que comia, etc.

    Já há muitos anos venho tentando mostrar para mim mesma o quanto meu corpo é perfeito e tudo o que ele já fez e faz por mim. Já subi picos pra ver o mundo de cima, já pedalei mais de 50 km, já corri muitos km e me senti livre, já visitei lugares incríveis e conheci pessoas inesquecíveis, tenho uma família amorosa e um parceiro de vida pra quem é até difícil encontrar adjetivos. Tudo isso foi conquistado por meio do meu corpo perfeito! Depois de muita terapia e estudo, já venho me sentindo melhor há algum tempo e cultivando um sentimento verdadeiro de respeito e admiração pelo meu corpo. Mas acredito que o momento derradeiro, que marcou uma grande virada foi minha última viagem em dezembro do ano passado.

Fui para Santiago visitar minha mãe e mais uma vez tive experiências incríveis (fotos abaixo). Um dia, caminhando sozinha pela praia de uma cidade vizinha, senti muito profundamente uma enorme gratidão pela vida, por poder fazer tudo que faço, por poder viajar e ter para onde e para quem voltar, por ser quem eu sou exatamente como sou. Cada parte do meu corpo conta minha história e ajuda a constituir quem eu sou. Não sou somente o meu corpo, sou amiga, mestra em história islâmica, professora de inglês, viajante... Sou persistente, empática, me preocupo com as pessoas à minha volta, gosto de ajudar e me cobro para dar o melhor de mim em tudo o que faço. Sou muito mais que meu corpo, mas também sou meu corpo! Meus músculos, minha força, minha capacidade de reflexão, minhas tatuagens, minhas mãos pequenas. Assim como minha gordura extra, meu culote e minhas curvas, eles também fazem parte da minha história! Esse dia foi extremamente importante para que eu visse com clareza a sorte que tenho de ser eu! Desde então, venho construindo minha autoestima de uma maneira diferente.





 




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