quinta-feira

A potência dos encontros

    Ao longo desse processo de autoconhecimento pela escrita, percebo que algumas palavras se repetem na minha mente e nos meus textos. Quando estava inserida no ambiente acadêmico, usava um dicionário de sinônimos para diversificar o vocabulário usado, mas agora que a escrita tem outros fins, permito que as palavras se repitam e vou aprendendo com elas. Sinto que é minha alma reiterando minha essência, meus anseios e minhas necessidades mais íntimas. O título desse texto leva duas dessas palavras que uso e reuso com frequência, “encontro” e “potência”. Pra mim, a palavra “encontro” carrega um sentido muito mais profundo do que “estar diante de alguém”, significa abertura, questionamento, compreensão, troca. Para os que se permitem sentir, “encontro” significa afeto.  Já “potência”... potência é potência! É vigor, força, capacidade e intensidade.

    Em tempos de pandemia, os encontros físicos foram diminuídos a um nível sufocante para alguém que tira suas energias do contato com o outro. Eu quase me deixei sufocar até que entendi que eles não precisam ser físicos para serem potentes. Em Diamantina há quase um mês sozinha, sentada no assento da minha montanha russa pessoal, me permiti parar, me abrir, me conhecer, encontrar e reencontrar os outros e a mim. Em muitos desses encontros, o impacto foi mútuo e em outros provavelmente fui só eu quem senti. E esse segundo grupo de encontros não são menos potentes que os outros por essa razão. Tenho consciência de que nem todas as pessoas me marcarão da mesma maneira e que eu também não vou marcar a todos por cujas vidas passar. Já me cobrei isso, mas não mais.

    Suelen e Cleyviton me ensinaram sobre parceria e entrega. Natã é curiosidade, inocência, gentileza e empenho. Marius exalava coragem e força e me ensinou sobre crer e viver de acordo com suas crenças. Nayanna é acolhimento e paixão, me ensinou que se permitir encantar é uma linda forma de também encantar. Seu Kussu me ensinou sobre humildade e que a linha tênue entre o que se vende e o que não tem preço não é assim tão tênue para alguns corações. Há 3 senhores cujos nomes eu não sei, com quem conversei muito rapidamente em diferentes lugares, que me lembraram o quanto é bom dividir conhecimento e que a escola não é nem a única nem a melhor fonte de erudição. Lucas e Thomaz me ensinaram sobre alegria. Na verdade, eles não só me ensinaram, mas me contagiaram com ela de uma maneira muito inesperada. Eles também me lembraram de que uma vida com música é uma vida mais bem vivida.  Evelyn e Nicole me lembraram sobre como o feminismo nos fortalece e como podemos admirar e ser admiradas por outras mulheres. Com a gentileza que as é tão típica, elas me reforçaram um lema muito importante: uma sobe e puxa a outra, nem que seja por meio da inspiração. Taynã, que tem os olhos lindos e cheios de sonhos, me lembrou o quanto algumas coisas podem ser simples e como coisas simples podem ser prazerosas. E, finalmente, Fabrício, quem eu não imaginava reencontrar tão intensamente quando tudo me mostrava que o desencontro era certo.

    Sou grata pela vida e pelos encontros. E que a potência deles continuem sendo combustível para minha alma!


Esses são Thomaz Panza e Lucas Fainblat, músicos e desatoladores de carros nas horas vagas. 

                                    

segunda-feira

Vai

 Vai, desabrocha

Vira flor

Corta a linha do papagaio

E voa, mesmo com temor

Faz do medo um mundo cheio cor

Se chover, se chorar, se doer

Lembra que isso é vida

E volta fortalecida

Pra brincar, pra dançar, pra gozar,

Sem pudor.

Vai, flor!

sexta-feira

Um processo

 Texto escrito em 2019 e adaptado para esse blog


    Esse texto é um desabafo e um lembrete pra mim mesma do que venho buscando nos últimos tempos, ele serve pra que eu não me perca pelo caminho. Espero que  minha história inspire outras mulheres a se conhecerem e se respeitarem como são. Meu nome é Michele, tenho 28 anos e sofro por conta da relação com meu corpo há tampo tempo que nem sei mais pontuar onde tudo começou. Nessa foto estou eu com cerca de 17 anos. Eu me via gorda!


    Algum tempo após essa foto, ganhei alguns quilos e passei a realmente odiar o que eu via no espelho. Não se tratam de dezenas de quilos, uns 2 ou 3, no máximo. Aos 19, enfrentei um término com um então namorado por quem eu era muito apaixonada e ter sido rejeitada agravou uma relação com meu corpo e com minha imagem que já não era nada saudável. Nesta foto seguinte, estava há alguns meses tomando Sibutramina, um remédio horrível que causa inumeros efeitos colaterais, mas que te ajuda a perder peso. Depois de poucos meses, estavam todos os quilos de volta, claro. Foram quatro anos de uma dependência doentia com esse remédio: começava a usar, me sentia mal e culpada, parava, engordava, comprava o remédio de novo.



    Hoje, estava olhando minhas fotos para escolher as que ia usar para ilustrar esse texto e percebi que não importava onde eu estivesse ou o quão grandioso fosse o que estivesse realizando, estava sempre preocupada se estava gorda ou não. Talvez você se identifique com esse peso mental, infelizmente não sou a única a senti-lo. Nessa terceira foto, estou em Machu Picchu realizando um grande sonho. Viajei por 1 mês por três países, conheci pessoas e lugares que me marcaram profundamente. Em nenhum momento sequer deixei de ter consciência do meu corpo e da minha imagem, estava sempre me olhando no reflexos para avaliar como me parecia.




    Nessa próxima foto, estava colando grau na graduação e tinha acabado de ser aprovada para fazer mestrado em uma das instituições mais renomadas do país. 



    Eu me via gorda e toda aquela felicidade de estar realizando coisas grandiosas estava sempre embebida de uma frustração com meu corpo. Sequer tenho foto do dia da defesa do meu mestrado, eu não me importei o suficiente para guardá-las porque não gostava do que eu via nelas. Eu não via o resultado de 3 anos de trabalho árduo. Eu só via a mim mesma e me via gorda.

    Ainda muito nova, comecei a perceber que a gordofobia é um grande problema social que mina especialmente a autoestima das mulheres e sempre me opus energicamente às ações, minhas e dos outros, que produzissem julgamentos a partir das características do corpo das pessoas. Mas nunca conseguia aplicar isso para mim mesma. Eu me martirizava, me sentia vazia e desimportante por ser gorda. Se você veio até aqui, tenho certeza que já encontrou o erro: eu sequer estava acima do peso. No entanto, sofria com ansiedade, compulsão alimentar, muitas vezes me opunha a ir a eventos sociais, tentava vomitar o que comia, etc.

    Já há muitos anos venho tentando mostrar para mim mesma o quanto meu corpo é perfeito e tudo o que ele já fez e faz por mim. Já subi picos pra ver o mundo de cima, já pedalei mais de 50 km, já corri muitos km e me senti livre, já visitei lugares incríveis e conheci pessoas inesquecíveis, tenho uma família amorosa e um parceiro de vida pra quem é até difícil encontrar adjetivos. Tudo isso foi conquistado por meio do meu corpo perfeito! Depois de muita terapia e estudo, já venho me sentindo melhor há algum tempo e cultivando um sentimento verdadeiro de respeito e admiração pelo meu corpo. Mas acredito que o momento derradeiro, que marcou uma grande virada foi minha última viagem em dezembro do ano passado.

Fui para Santiago visitar minha mãe e mais uma vez tive experiências incríveis (fotos abaixo). Um dia, caminhando sozinha pela praia de uma cidade vizinha, senti muito profundamente uma enorme gratidão pela vida, por poder fazer tudo que faço, por poder viajar e ter para onde e para quem voltar, por ser quem eu sou exatamente como sou. Cada parte do meu corpo conta minha história e ajuda a constituir quem eu sou. Não sou somente o meu corpo, sou amiga, mestra em história islâmica, professora de inglês, viajante... Sou persistente, empática, me preocupo com as pessoas à minha volta, gosto de ajudar e me cobro para dar o melhor de mim em tudo o que faço. Sou muito mais que meu corpo, mas também sou meu corpo! Meus músculos, minha força, minha capacidade de reflexão, minhas tatuagens, minhas mãos pequenas. Assim como minha gordura extra, meu culote e minhas curvas, eles também fazem parte da minha história! Esse dia foi extremamente importante para que eu visse com clareza a sorte que tenho de ser eu! Desde então, venho construindo minha autoestima de uma maneira diferente.





 




Como vai você?